Verto lágrimas para Gaia, quem sabe assim ajudo a resfriá-la...
Thaís é o meu nome e escrever é o que me dá substância. Não posso evitar a agitação: procurar e registrar, analisar e pensar compreender. “Você é uma pesquisadora dos excessos”, diz a professora de sociologia ao ler a minha excessiva pesquisa de mestrado, “e isso é ótimo, porém, tome cuidado para não se afastar do eixo”. O eixo, seja ele da pesquisa ou da existência, é o que condiciona equilíbrio. Como encontrar eixo e equilíbrio, então, após a fragmentação causada pela violência?
Reconstruo, reconheço e reencanto
retomo o espaço, recupero o balanço
cantando em ré eu tropeço e avanço
Em 2019 comecei, vacilante, a vislumbrá-lo de longe; a depressão das vontades não me permitia criar uma linha de vida, eu era mata fumegante e aridez. Num dia particularmente seco, engasguei e vomitei as primeiras palavras que encontrei para expressar a minha dor. Mostrei incerta para um amigo poeta que, para a minha surpresa, achou bonito. Criei o hábito inconstante de enviá-lo pequenos ou grandes textos, estrofes aleatórias que escorriam ainda assim.
Eu deixo marcas no tempo
o tempo faz as marcas
e eu sou o tempo
memória e movimento
ontem estive ali, hoje aqui
amanhã só estarei
o tempo não esquece, só caminha
um dia a asa quebra, o sol não brilha
Enquanto isso
ainda que sem viço
mesmo quando enguiço
sigo o maior impulso
eu vivo
a beleza é o sentido.
“Thaís, e se nós organizássemos um livreto com os nossos escritos e saíssemos vendendo pelas praias e serras do Ceará e além?”. Fiquei empolgada, ainda que ressabiada; você não conhece a minha timidez? A sua animação era tão contagiante, no entanto, que acabei topando o desafio. O que eu perderia, afinal? Sem medo de perder, ganhei muito mais do que poderia imaginar. Assim descobrimos os Arquipélagos Submersos, livreto pensado, diagramado e impresso por nós, Thaís Perez e Emerson Bastos.
Para que serve a poesia, a música, a filosofia?
Ocupações de gente vadia
perseguida por rimas e notas
obsessiva em idéias e histórias.
Alguns vadios almejam glórias
outros, novas ordens
eu, cuspir sentidos
combinar os barulhos mudos
incessantes do existir.
Não busco comportar minha prosa
nos moldes da sua moralidade
tenho orgulho da vã vadiagem
neste dicionário, sinônimo de liberdade.
Desbravamos, acampados ou hospedados por amigos, praias e serras do Ceará e do Rio Grande do Norte; a venda dos livros como único financiamento das aventuras.
A vida é verde e cheia de mangas!
Este foi o início do meu reencontro com o Eixo. Estava escondido em escombros, indivisível nas tempestades de poeira que me cegaram por tantos anos em agonia. Mas ele é e sempre foi meu; girando em espiral eu reencantei o olhar e pude reconhecê-lo, finalmente.
Custei a acreditar que não vivíamos dentro da Terra
pendurados, que insegurança! Pensava eu, criança
Incorpore a gravidade, disse-me a voz, a deformidade no espaço-tempo
aceita! Flutuarás nas águas e no espírito
aceita o poder que faz cair
só então poderá voar.
“De onde vem a sua inspiração?” perguntou um rapaz subitamente após alguns minutos me observando rabiscar o caderninho, tão confortável como só é possível estar nas areias brancas do Ceará. “Dos sentidos conversando com sentimentos, por assim dizer”, respondi sem pensar.
Eu sou muito mais do que eu jamais vou conhecer
e não tenho ideia de que matéria devo aprender
para navegar o caos e ancorar quem quero ser
Procuro fluir em letras e canções, rabisco sem mais tanto temer a inadequação, a perseguição, a violação. Preciso das estrelas desenhando o céu em constelações, movendo-se; do cheiro da terra e do mar, do som das risadas de desconhecidos, do encadeamento das palavras. Não tem jeito. Sinto, persigo, converso e traduzo. É assim que curo e reconstruo.
Aos 28 anos, perdi o medo da luz e do escuro.
Texto cedido por Thais Perez